COMO
FALAR DOS LIVROS QUE NÃO LEMOS? Pierre Bayard, Objetiva, 207 páginas.
Leia este texto se você já leu este livro e quer saber a minha opinião a respeito. Se você ainda não o leu e não deseja ser influenciado pela minha opinião... bye, bye, baby, bye, bye, ou então siga a leitura por sua própria conta e risco ;-)
Curiosa
pelo título, fui presenteada com um exemplar deste livro por uma amiga (1) e tratei de
me despir o quanto possível dos preconceitos antes de abrí-lo e começar a lê-lo. No final do capítulo I eu pensei em parar, juro - e quem jura,
mente; diz o dito popular -, mas alguma coisa me dizia: “Continue, continue... um
livro que parece estar defendendo uma tese e, ao mesmo tempo, na prática,
confirmando a sua negação. Interessante...” Então segui a leitura e foi uma
ótima decisão, qualquer pessoa envolvida com livros deveria ler esse do Pierre,
ainda que seja só para rir ou se reconhecer nas situações que ele expõe.
Seguindo
alguns dos conselhos que estão no próprio livro: falar sobre si mesmo, adianto que aqui não falo do
texto 'objeto', porém do livro ‘fantasma’, fruto da primeira leitura que fiz e
influenciada pela ‘biblioteca interior’ que me forma, já empregando parte da terminologia
proposta pelo autor. E assumindo que um texto polifônico se transforma em outro a cada releitura
que fazemos dele, também considerando que é grande a possibilidade de vir a tornar-se para mim um ‘livro esquecido’ com ‘opinião muito positiva’ ++, já que é impossível lembrar-se por muito tempo
de 100% de tudo o que se leu ou escreveu, a cada releitura surgirá um novo ‘fantasma’ do livro objeto-real.
Lendo
superficialmente ou só ‘folheando’, como o autor convencionou usar no texto
para designar tais situações, alguém (que desconheça teorias na ciência literária ou a idéia de recepção) poderia até pensar que se trata de um incentivo aos impostores - para a alegria dos preguiçosos - ou que seria um manifesto
pela 'não-leitura' visando lidar com a sobrecarga de publicações do nosso tempo. E eu diria que é uma defesa sim da 'não-leitura', porém mais nos moldes daquele famoso TED de Jacob Barnett, no
qual ele aconselha as pessoas a pararem de aprender e partirem para a resolução de problemas ou experimentos sem subestimar a própria capacidade de criação.
Nesses moldes poderia dizer que
Bayard estaria propondo: afastar-se da autoridade e influência dos livros impostos (do cânon por exemplo) e partir para a invenção de si
mesmo, que começa pela escrita. Ok, faz todo o sentido mas, lendo nas entrelinhas, tive a impressão de que, para pensar tão livre assim, antes é preciso ter adquirido o básico, experiências e idéias; e a
aquisição deste ‘básico’ é que é a questão. Ao defender a ‘não-leitura’, a meu
ver, o autor poderia estar se referindo à leitura seletiva ou a manter certa distância dos livros ao exercitar o próprio pensamento ou a escolher as leituras por prazer e curiosidade e nunca para ostentar cultura ou conhecimentos que na verdade não se tem, tampouco o interesse de adquiri-los. Porém, ter optado por uma
terminologia que mantém a ambuigüidade presente em toda a discussão parece
estar dizendo:
Desconfie de tudo: dos textos, do que dizem os autores, da
opinião dos críticos, editores e autoridades no meio literário, das referências
dadas, da sua própria interpretação, deste meu texto, de tudo;
fazendo chegar à conclusão de
que para alguém tornar-se um ‘não-leitor’, antes é preciso ter desenvolvido as
habilidades de um leitor crítico eficiente, alguém capaz de ler nas entrelinhas, checar a veracidade de uma informação e
descartar o que não importa para os seus objetivos, alguém que sabe
selecionar e que é honesto consigo mesmo a ponto de não ter vergonha de admitir que não leu este ou aquele livro, mas que nada impede de dar sua opinião sobre ele. Bom, mas esta é a minha visão e eu posso estar equivocada.
Entendem o que eu quero dizer com ambuigüidade como pano de fundo? Não há verdades, cada página do livro leva a pensar. Será que eu li mesmo o texto de Bayard ou só folhei? O que você acha?
Entendem o que eu quero dizer com ambuigüidade como pano de fundo? Não há verdades, cada página do livro leva a pensar. Será que eu li mesmo o texto de Bayard ou só folhei? O que você acha?
Ou
este texto é uma crítica inteligente e bastante original à hipocrisia no que se convencionou
chamar de ser culto e às engrenagens do meio literário, ou é uma paródia, ou é um
ensaio filosófico-literário dos bons, escrito com muito bom humor e a propriedade de quem leva muito a sério a
questão da leitura e no fundo só a incentiva. Quem sabe foi uma provocação, uma forma de
questionar teorias ou propor uma nova, uma complementação. Talvez aplique a fórmula dos best-sellers ou seja um texto muito honesto, quem saberá? O mais prático é que tanto serve como um manual para ajudar a identificar
impostores ou, mais nobre, como uma chamada à reflexão do papel da leitura no poder
inovador individual.
Parem de aprender, parem de ler,
aprendam a escutar e a inventar a si mesmos...
Mas
isso só é possível quando se atinge um determinado estágio pois “(...) sem
esse trabalho prévio sobre si, é igualmente impossível escutar a si mesmo nas
ressonâncias íntimas que nos unem a cada obra e cujas raízes mergulham em nossa
história” (página 204). Ou seja, em algum momento é necessário ter lido alguma coisa: textos ou pessoas, e precisamente. Bingo! Entendem o que estou tentando dizer? Texto gostoso, esse do Bayard!
Para
encerrar, apropriando-me de um pensamento de Doris Lessing, que não reproduzo como no original usando do meu direito
recém-adquirido de poder falar dos livros lidos, não-lidos ou esquecidos, sem culpas e tal, uma idéia que me marcou e agora faz parte de mim: nunca
se deve ler um livro só por obrigação, pois será perda de tempo, bem como gastar
anos estudando uma única obra ou um único autor, privando-se de ter um encontro
tão agradável quanto ou mais até com outros livros e outros autores. E, juntando Bayard: consigo mesmo.
Ah, e para falar de livros, após a leitura deste livro, confirmo o seguinte:
Ah, e para falar de livros, após a leitura deste livro, confirmo o seguinte:
Ao se falar de livros deve-se lembrar que o conteúdo, no meio literário usual, sempre valerá muito menos do que as relações de poder que estão por trás desses livros enquanto produto editorial, seja pelo peso do nome do autor e/ou do editor, seja por quem apresentou o livro, escreveu nas orelhas ou mesmo quais críticos se dignaram a falar deles, bem ou mal. O único negligenciado costuma ser o leitor - ô coitado! - e sua vã opinião. Em todo caso, não devemos nos deixar enganar pela idéia de ‚autoridade’, voltemos ao texto então, deixemo-lo falar, é sempre válido ouvir o que ele tem a dizer. Tudo pode ser manipulado, exceto a impressão, que o encontro primeiro, e genuíno, com o texto, nos causou.
Como falar de livros, lidos ou não? Com honestidade.
Um texto que dá espaço a muitas idéias, como viram. Por isso é bom e eu recomendo: ler e reler. Ou seja: ler é necessário, e esse é um bom final!
Avaliação: Ótimo
P.S.: leitores pouco familiarizados com os mecanismos do universo literário e acadêmico poderão ter, deste texto, as mais diferentes visões, e isso, a meu ver, é o que o torna mais interessante. Valeu, Pierre!
(1) Lu Narbot, a autora do livro de poemas Versos ao longo do caminho e do de crônicas Uma Rede na Varanda, livro que acompanhou esse do Pierre, na foto e no pacote via-postal. Obrigada, Lu, presente lindo. Valeu!
© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.