segunda-feira, 17 de março de 2014

Demência Digital





Digitale Demenz, Wie wir uns und unsere Kinder um den Verstand bringen, Manfred Spitzer, Droemer, 368 pg. (ISBN 978-3-426-27603-7)


Por ter passado boa parte da minha vida envolvida com informática e Ciência da Computação, muitas das informações deste livro não foram novidade para mim, que ao longo do tempo fui desenvolvendo uma nítida impressão de que o excesso de tecnologia, ao invés de nos ajudar a evoluir como espécie e indivíduos, acabará nos prejudicando muito mais. O autor, experiente médico e psiquiatra, através da análise de vários estudos oriundos de fontes sérias e confiáveis (as referências estão no livro para quem quiser conferir) chega à conclusão de que o uso abusivo das mídias digitais causa danos não só à nossa capacidade de memória, que naturalmente diminui com o tempo, como também à capacidade de pensamento (concentração), desejo* (autocontrole cuja perda leva ao vício), emoções e, sobretudo, ao nosso comportamento social.

Os efeitos negativos tem sido apontados por vários estudos sérios que não encontram apoio de divulgação por irem contra o lobby de indústria e mercado, que está por trás até mesmo do financiamento de pesquisas e novas tecnologias. Não podendo contar também com o apoio de políticos no mundo inteiro, pois o bem-estar dos seres humanos nunca foi nem será prioridade em suas campanhas, muitos menos de crianças e jovens que ainda não podem votar e cujos interesses de fato não interessa à grande maioria dos políticos defender.

Fala-se muito em desenvolver competências para usar essas mídias, mas não há esforço prático para colocar cada vez mais professores bem formados em salas de aula, bem como também vê-se uma clara desvalorização dessa profissão em vários países. As pessoas que mais consomem essas mídias geralmente são aquelas com menos instrução, comumente famílias de classe média ou baixa que lutam para comprar tais dispositivos para os filhos crendo que assim estarão lhes garantindo um futuro melhor, dado que quem não dominar tais tecnologias supostamente estará entre os excluídos e esse livro afirma que é justamente o contrário, que o cérebro precisa de boa formação e as famílias mais instruídas, ao invés de darem às crianças  computadores, tevês e dispositivos eletrônicos, incentivam a leitura de bons livros e a pratica de atividades que desenvolvam habilidades no mundo real.

O mais impactante, e que eu diria criminoso até por parte de quem conhece os possíveis danos aos cérebros ainda em formação e escolhe a omissão, é o fato de que os mais jovens podem estar desenvolvendo trastornos neurológicos que afetam as capacidades de empatia, concentração e autocontrole, coisas que devem ser aprendidas, comumente, ao longo da infância e da juventude, através de experiências com pessoas e coisas no mundo real.

Tem gente que diz que o autor exagera, que a realidade não é bem essa, e como ele mesmo aponta, num dos capítulos, há dois cenários possíveis: acreditar que por conta do uso constante das mídias digitais no futuro teremos um cérebro muito mais desenvolvido ou teremos um cérebro doente. Grande parte dos estudos sérios oriundos de fontes confiáveis apóiam a escolha da segunda opção, enquanto que para a primeira tudo o que temos são especulações.

E então, quem está disposto a brincar com o futuro do cérebro de seus filhos? Eu não estou. Por isso agradeço ao autor pela coragem de ter escrito e publiado este livro, cuja leitura, só posso recomendar.

Um último lembrete: não se trata de banir as mídias digitais de nossa vida, mas de responsável e competentemente aprender a usá-las e a ter consciência do mal que podem causar.

Nota: li a versão em Alemão e percebo que o texto refere-se a problemas de modelos vigentes aqui na Alemanha. Não sei se tem tradução para o Português Brasileiro e se os problemas reportados foram adequados à realidade brasileira, mas vale a pena ler mesmo assim. O autor chega a citar o Brasil, ironizando uma fala de Aloizio Mercadante, ministro de desenvolvimento e tecnologia se não me engano, quando disse que o governo estava adquirindo laptops de empresa X e Y, a serem distribuídos nas escolas, para levar tais empresas a produzirem seus equipamentos no Brasil. Ora, ele brinca, no futuro a Alemanha e outros países não terão de se preocupar com a concorrência dos brasileiros, já que o governo, ao invés de inverstir em bons livros e professores nas escolas, compra equipamentos que na verdade só atrapalham o aprendizado e o real desenvolvimento do potencial criativo e do conhecimento técnico especializado dos alunos. É para se pensar, não é não?


Avaliação : Muito Bom




* leia-se também como 'vontades'.


© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

Um comentário:

  1. Helena, pena que eu não leia alemão porque interessou-me bastante o livro. Vou tentar ver se existe em Português. Em relação à ironia que o autor faz com a fala de Aluizio Mercadante, imagine se ele soubesse que Aluizio Mercadante, enquanto era Ministro da Educação, disse que Museu nada tem a ver com educação, que ironia mais ele iria fazer?

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