quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A Hora da Estrela - Releitura


A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, Editora Rocco, 2006, 108 páginas.


Esta edição eu comprei numa das viagens que fiz ao Brasil, em 2007 (se não me engano). Sim, o que dizer deste livro? 

Qualquer coisa que digam sobre as histórias neste livro com certeza vai estragar a surpresa de quem ainda não o leu. Nem mesmo os nomes de dois dos principais personagens poderia-se revelar sem riscos. Não seria justo porque a surpresa é um elemento principal, constante e particular neste livro, uma narrativa para ser lida num fôlego só, num susto, sem intervalos e indagações de instantes. Por isso me calo e sugiro apenas que o abra, leia e deixe-se levar pela prosa magnífica de Clarice Lispector. Um livro que, para mim, torna-se mais atrativo cada vez que releio, mesmo já conhecendo o final.

Esta narrativa talvez proporcione a cada leitor um encontro ou re- consigo mesmo. Há que ler para vivenciar.


Avaliação: Ótimo


© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O rei se inclina e mata - o original




Der König verneigt sich und tötet (traduzido em Português como O rei se inclina e mata), Herta Müller, Fischer Verlag.


Trata-se de um conjunto de ensaios autobiográficos, uma amostra da riqueza do estilo e da força da escrita e experiências que deram a Herta Müller o devido reconhecimento através de vários prêmios literários, incluindo o Nobel de Literatura de 2009.

Estes ensaios, segundo informações na edição que eu tenho, foram gerados a partir de palestras dadas pela autora em diferentes ocasiões.

Herta Müller nasceu no seio de uma família e comunidade de origem alemã que existia (ou tentava sobreviver) na Romênia na época em que uma forte ditadura dominou o país. Em um dos ensaios, ela conta que, enquanto os trabalhadores comiam pão duro nas fábricas, o ditador usava talheres de ouro em suas refeições. Conta também que viu a ruína de muitas famílias que tiveram de entregar tudo o que produziam para o Estado, como a ruína de seu avô, antes um bem sucedido comerciante de grãos que, já quase no fim da vida, alimentava a família com as migalhas da produção que era obrigado a entregar para o único patrão: o Estado, que o remunerava muito mal. Conta também das perseguições sofridas, ameaças e tentativas de assassinato, a epidemia de sumiços e suicídios que justificou a partida de vários de seus amigos que, como ela, questionavam a situação. Na sinopse do livro ela conta que sempre lhe perguntavam por que 'cabeleireiro' era freqüentemente mencionado em seus escritos e ela respondia: o cabeleireiro mede o cabelo e o cabelo mede a vida. Então ela elucida que, na época de maior perseguição política, ela e seus amigos costumavam deixar fios de cabelo espalhados por vários lugares: dentro de livros, gavetas, armários. De modo que quando voltassem para casa no fim do dia de trabalho e encontrassem os fios fora do lugar, sabiam que o apartamento havia sido revistado pela polícia secreta do governo em busca de provas para acusa-los e prendê-los.

Dentre os ensaios que mais gostei está um no qual ela fala de sua experiência num jardim de infância. Ela era uma professora que, devido à sua postura crítica ao regime, não era bem-vinda nas escolas e tinha muita dificuldade para encontrar trabalho. Estando uma das professoras doente, ela foi chamada, por pura falta de opção, a passar algumas semanas substituindo a 'camarada'. Ela conta que nestes poucos dias espantou-se com a eficácia do banho de ideologia que recebiam as crianças, tanto que nos de cinco anos já haviam acabado com toda a chance deles verem qualquer valor e necessidade no individualismo, nem mesmo uma simples canção infantil que lembrasse coisas da natureza, como a queda da neve, era permitido. Tudo era o Estado, o chefe supremo (o ditador), o coletivo (que só serve a poucos, como bem sabemos) e os abusos do nacionalismo. Ao final de algumas semanas ela alegrou-se com a volta da colega, pois se tivesse de passar mais algum tempo naquele quartel-mirim, em constante vigilância pelos 'pequenos camaradas', futuros agentes da vigilância do Estado, teria pedido demissão.

Outro ensaio que muito me marcou foi um no qual ela conta a sua experiência quando chegou na Alemanha, fugida da Romênia. Embora o Alemão fosse a língua falada na família e em sua comunidade, a língua materna, não era a mesma língua falada na Alemanha que a abrigou. As palavras eram as mesmas, mas sentidos eram outros. Mesmo sendo alemã, sempre era perguntada de onde vinha, como se lhe faltasse o sotaque de um nativo e o jeito 'alemão' de pensar. Para ela isso foi uma revelação em vários sentidos e eu me vi calçando bem os seus sapatos porque o mesmo se deu comigo, ou algo muito parecido. Neste ensaio ela levanta questões de aceitação, tolerância e integração de culturas. É um dos ensaios mais ricos desta coleção.

Dos textos até agora lidos, a escrita de Herta Müller deu-me a impressão de uma exatidão e agudeza impressionantes no que foi dito, não há sombra de tentativas ou intenções, há palavras-fatos, como se nenhuma delas fosse empregada em vão, e não é qualquer escritor que consegue isso, em minha humilde opinião; nenhuma palavra estaria nos textos fora de tempo, contexto ou lugar, tudo casa perfeitamente mas parece ter surgido naturalmente, sem plano, exalam a 'desengasgo', a falar aquilo que não podia ser dito nem ninguém antes ousara pronunciar porque não havia palavras para concretizá-lo, e neste aspecto ela maneja línguas, sentidos e palavras como se fossem pedras das quais extrai maná. Isso produz imagens fortes que marcam profundamente, sem violentar o leitor. A prosa é densa e maduramente lírica, trata da dor sem causar mais dor, causa alívio, faz pensar, gera incômodo e compreensão ao mesmo tempo, numa medida que transforma quem lê (aqui falo também da ficção, pois estou lendo Niederungen, seu primeiro romance). Não diria que a escrita de Herta é difícil, diria que é uma mistura de idéias magistralmente escritas, sem confusão. Pelo menos foi isso o que eu senti com a leitura desta coletânea de ensaios e de uma pequena parte de sua produção ficcional.



Avaliação: Ótimo







© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

Os Bruzungandas



Os Bruzundangas, Afonso Henriques de Lima Barreto (1881- 1922), coletânea de crônicas publicada postumamente em 1923, obra de domínio público.

Este livro está disponível em vários formatos de arquivo para baixar legalmente no site www.dominiopublico.gov.br, mas nenhum desses formatos proporciounou-me uma leitura confortável num e-reader, de modo que resolvi gerar uma versão em ePub e disponibilizar também gratuitamente na minha biblioteca virtual, o Quintextos. O texto do arquivo original não sofreu alterações, apenas corrigi erros, claramente, de digitação.

O que mais me chama a atenção nestes textos de Lima Barreto é a sua linguagem aguçada e refinada ironia, a arte de dar tapas com penas de ganso, se me permitem a pobre comparação. As crônicas desta coletânea foram produzidas nas primeiras décadas do século XX e, inacreditavelmente, seguem atuais. Li várias vezes o livro completo, dado o meu trabalho de edição. E li com prazer. Nelas encontramos críticas ao racismo, ao sistema educacional da época, aos doutores de canudo, à classe política e seu comportamento criminoso de só pensar em si e nos amigos, a prática do nepotismo (empregar parentes em órgãos públicos), a venda das riquezas do país e a má utilização dos bens e dinheiro públicos, dentre outras questões. Encontramos também crítica a mentalidades, ao comportamento dos ditos 'literatos’ da época, enfim: quase tudo que há anos impede o progresso verdadeiro do país.

A coletânea começa com um capítulo muito divertido sobre a literatura do país fictício: a Bruzundanga, que muitas semelhanças tem com o Brasil, mais antigo e o atual. Ao que parece, a crítica foi direcionada aos ditos parnasianos, ainda mais considerando a época em que foi feita, mencionada em vários livros como pré-modernismo e modernismo (em 1922 deu-se a famosa Semana de Arte Moderna).  Segue com uma crítica a comportamentos de políticos, aos que se consideram nobres ou elite e como essa ‘nobreza’ passa a existir, da noite para o dia; críticas ao comportamento de ditos representantes e funcionários públicos e às formas como são conduzidos os relacionamentos com estrangeiros e seus países. Fala dos desmandos e absurdos no trato com as riquezas da terra e das oligarquias, sobretudo a do café e as falcatruas do mercado, da falsidade do  ensino e dos métodos de obtenção de títulos e diplomas (se naquela época já era assim, imagine agora!), das regalias dos diplomatas e do endividamento do país. O capítulo VIII, que trata da Constituição da Bruzundanga é, sem dúvidas, um dos melhores trechos. Muito importante para os brasileiros seria, quem sabe, entender o conceito de ‘pertencer à situação’ ou de recorrer à Chicana, como a Justiça se chama na Bruzundanga. Daí seguimos com descrições do comportamento e requisitos para ser presidente da república ou mandachuva, nos termos de lá, com capítulos sobre a força armada, um certo ministro, sobre os heróis desta terra brava, a sociedade (que pariu e mantém a Bruzundanga do jeito que ela é), as eleições e o comportamento dos médicos e secretários de políticos (indispensáveis!). Os últimos dois capítulos trazem desmandos de poder tanto de províncias quanto de seus governantes e um punhado de outras histórias que voltam a tocar em tudo o que foi dito em algum dos capítulos anteriores. Ou seja, Os Bruzundangas é um livro que vale muito a pena ser lido por todos os brasileiros, principalmente aqueles que não desistem de sonhar com um futuro possível e não se acostumam 
“Com a falta de rumo brasileiro
E esse tom de desespero” (1).

E para gerar apetite, deixo aqui um taquinho de A POLÍTICA E OS POLÍTICOS DA BRUZUNGANDA:

“Com esse apoio forte, apoio que resiste às revoluções, às mudanças de regime, eles tratam, no poder, não de atender as necessidades da população, não de lhes resolver os problemas vitais, mas de enriquecerem e firmarem a situação dos seus descendentes e colaterais.
Não há lá homem influente que não tenha, pelo menos, trinta parentes ocupando cargos do Estado; não há lá político influente que não se julgue com direito a deixar para os seus filhos, netos, sobrinhos, primos, gordas pensões pagas pelo Tesouro da República.
No entanto, a terra vive na pobreza; os latifúndios abandonados e indivisos; a população rural, que é a base de todas as nações, oprimida por chefões políticos, inúteis, incapazes de dirigir a cousa mais fácil desta vida.
Vive sugada; esfomeada, maltrapilha, macilenta, amarela, para que, na sua capital, algumas centenas de parvos, com títulos altissonantes disso ou daquilo, gozem vencimentos, subsídios, duplicados e triplicados, afora rendimentos que vêm de outra e qualquer origem, empregando um grande palavreado de quem vai fazer milagres.
Um povo desses nunca fará um haro, para obter terras.
A República dos Estados Unidos da Bruzundanga tem o governo que merece. Não devemos estar a perder o latim com semelhante gente; eu, porém, que me propus a estudar os seus usos e costumes, tenho que ir até ao fim.


(1) Trecho de Tempestade, Zélia Duncan.


Avaliação: Ótimo



© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Viviendo del cuento




Viviendo del cuento - Un diário sobre 10 años de profesión, Juanjo Sáez, Reservoir Books.

Comprei este livro ano passado (2013) na mesma época em que comprei el Arte, excelente livro deste autor. Já falei sobre ele no Bluemaedel. Ambos estão em Espanhol e, como já disse, leituras de textos num idioma em que se está estudando nunca são em vão. E el Arte foi traduzido já para o Português.

Li este livro quando eu e minha filha estivemos num hospital, nessa época busquei coisas leves e engraçadas, só para distração. As histórias são contadas através de gravuras ou cartuns, pois o autor é  desenhista e dono de um estilo próprio de tecer críticas. Nascido em Barcelona em 1972, Juanjo cresceu nessa cidade. Este livro foi publicado pela primeira vez em 2004, li a sétima edição, de maio de 2010, e é uma espécie de autobiografia dos primeiros 10 anos do autor na profissão de desenhista.

Eu gosto muito do trabalho dele, gostei do livro mas não sei se interessaria a leitores fora do círculo profissional dos cartunistas. Traz detalhes do mundo artístico da Barcelona dos anos 90 e, de um ponto de vista histórico, pode interessar a quem estuda movimentos culturais e artísticos espanhóis. Há capítulos nos quais ele trata da censura e também da relação dos artistas com a publicidade e donos de grandes marcas. Cito:

"La publicidad tiene esto… es un poco como pactar con el DIABLO… Ellos te darán dinero pero se lo cobraran".  (Página 156)

Qualquer semelhança com o que ocorre nos mercados editoriais de agora… sei não… só por esses dois capítulos a leitura já vale. ¿Vale? ¡Vale!


Avaliação: Bom



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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Déjame que te cuente...



Vi uma tradução deste título para o Alemão e isso foi o suficiente para despertar minha curiosidade pelo que as pessoas andam lendo por aqui, e pelo texto original; ainda mais porque, como estudante de Espanhol, nunca é perda de tempo ler um texto nessa língua.

Li o livro sem saber nada sobre o autor e não me preocupei em pesquisar nada sobre ele porque quanto menos sei de um autor, melhor minha relação com o texto, mais livre de preconceitos ou outras impressões.

Sim, não tenho muito a dizer sobre esse livro, proporcionou-me uma leitura sem picos emocionais, por isso classifiquei-o como regular, mas não digo que seja ruim. É a história de um estudante que, passando por vários problemas pessoais, sobretudo de relacionamento, busca uma terapia. O psicólogo tem um método particular: o hábito de sempre inserir um conto ou uma fábula nas conversas ou sessões. O livro é escrito numa linguagem muito simples e reúne contos e fábulas de outros autores, e muitos deles são bem conhecidos até. Alguns leitores poderão dizer que é auto-ajuda, já outros, um tipo de doutrinação no Gestalt, terapia ou corrente psicológica, citado no texto aliás.

Depois que concluí a leitura busquei rapidamente informações sobre o título na Internet. Jorge Bucay  parece ser muito famoso e campeão de vendas de livros. Segundo um dos artigos, esse autor é muito lido porque, supostamente, "escreve coisas que fazem as pessoas se sentirem bem consigo mesmas", um tipo de Paulo Coelho argentino, com as mesmas fórmulas e acusações, incluindo plágio (não sei se procede nem me interessa saber pois, como já disse: minha relação é com livros, e não com autores).

De qualquer modo, fica o registro da leitura. E como eu sempre digo: tenha sua própria experiência com o texto e tire a prova das letras: leia e tire suas próprias conclusões.

Avaliação : Regular

P.S.: não esquecer que essas avaliações de livros espelham unicamente o meu gosto pessoal e minha experiência de leitura e aqui são registradas unicamente para contabilização e controle.


© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.