domingo, 2 de abril de 2023

Kim de L’Horizon - Blutbuch



Blut significa "sangue“. Buch significa "livro“. Ainda assim não estou segura se posso dizer que uma boa tradução para o título desse livro seria "Livro de Sangue“. Também porque existe uma árvore que se chama "Blutbuche", que tem um papel muito importante nas histórias desse livro.


Sim, é um livro que trata de tradução, mas não de tradução, exatamente, em termos técnicos ou ensaísticos. É um livro que surge da tradução: de palavras, de silêncios, de linguagens que brotam do que não pode ou não deve ser dito, de dialetos que são menosprezados por falantes de línguas de ninguém, que são as línguas padrão, as línguas-standard, aquelas que regem os enunciados chamados "cultos“, aquelas que quem as usam se pensam e se acham "mais, muito mais“, por acharem que dominam o padrão quando, na verdade, o padrão não passa de uma língua nunca usada (sempre) corretamente, porque não é uma língua natural, é uma invenção que anda de braços dados com o império e a política, com a visão de grupos que têm prestígio para criar as "normas cultas" do mundo. Sim, esse livro é um desafio para qualquer um que traduz.


Assim que esse texto de Kim de L’Horizon, uma pessoa não binária, é um tipo de manifesto pelo uso corporal (sincero, umbilical) das línguas, pelo uso das linguagens; é um manifesto para que os corpos falem do que realmente sentem, ainda que seus discursos nos firam, que não nos sejam agradáveis aos ouvidos, que nos incomodem, que nos digam o óbvio algumas vezes, ou até nos entediem com a sua riqueza de detalhes. 


Esse livro ganhou, em 2022, um prêmio literário muito importante no contexto de livros escritos em língua alemã, o Deutscher Buchpreis (Prêmio do Livro Alemão). E ganhou na categoria de Romance do Ano. Sinto que muito mereceu, o prêmio e a atenção que recebeu, sobretudo a dos meus olhos e ouvidos e sentidos demais.


A pessoa que nos narra também se chama Kim, e há muitas evidências no texto de que se trate de autoficção ou autobiografia, mas tudo o que escrevemos, tudo, é autobiográfico e autoficção em alguma medida. Esses conceitos literários são escorregadios como "bagre ensaboado“, então é melhor deixá-los de lado nessa simples nota de leitura que aqui faço. 


Ainda estou sob o efeito da leitura desse texto sui generis, e não sinto facilidade em escrever sobre ele, porque o livro ainda não terminou de mexer comigo, pelo menos não em uma medida que algo tenha sido já decantado, a ponto de virar uma resenha que valha a pena a quem a alma não for pequena. 


Só posso recomendar que o leiam, porque é literatura viva, porque a busca da pessoa que narra e protagoniza muitas das histórias nesse livro é uma busca que leva junto a pessoa que o está lendo. A pessoa que narra se atira no abismo do ser e das árvores genealógicas (árvores de sangue) com uma corda amarrada à cintura da criatura que a está lendo. E deixar-se puxar para esse abismo, para mim, não foi uma experiência ruim, muito pelo contrário. 


Em suma: é um livro de sensações, cada pessoa tem que ler para "sentir“, sobretudo "sentir" o corpo pesando ou levitando ou gritando, por vezes, de dor. Aceite o desafio: é um abismo profundo que nos leva a uma viagem de sangue por corpos e genealogias de gentes e árvores, que querem de verdade saber de si, e dos outros. 


Eis o que escrevi na contracapa enquanto o lia: "Para se brincar com a língua desse jeito é preciso ter uma competência enorme; para poder mergulhar em si desse jeito é preciso ter uma coragem ainda maior“.



Kim de L’Horizon, Blutbuch, Dumont, 334 páginas.





© 2014-2023 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Dois mil e vinte dois trocado em letras

Para que não digam que não falei das leituras do ano que acabou de passar :-)


  1. Bonequinha de Lixo, romance da gaúcha Helena Terra. 
  2. Mrs Dalloway, romance de Virgínia Woolf.
  3. Hífen, romance da portuguesa Patrícia Portela. 
  4. Harry Potter e o Enigma do Príncipe, fantasia de J.K. Rowling – leitura feita com a Bê.
  5. Harry Potter e as Relíquias da Morte, fantasia de J.K. Rowling. – leitura feita com a Bê. 
  6. Every, romance de Dave Eggers, continuação de O Círculo.
  7. El secreto dei orfebre, romance da catalana Elia Barceló. 
  8. Girl, Woman, Other, romance da autora negra britânica Bernardine Evaristo.
  9. La parábola del sembrador, distopia da maravilhosa Octavia Butler.
  10. Pan de limón com semillas de amapola, romance da espanhola Cristina Campos.
  11. La parábola de los talentos, continuação da distopia La parábola del sembrador, de Octavia Butler.
  12. Isabel - Emperatriz de Austria, biografia escrita por Karl Tschuppik.
  13. Kramp, romance da chilena María José Ferrada. 
  14. Torto Arado, romance de Itamar Vieira Júnior. 
  15. Antologia Mañana Todavía, organizada por Ricard Ruiz Garzón. Nela estão os seguintes contos: WeKids (Laura Gallego), Al garete (Emilio Bueso), 2084. Después de la Revolución (Elia Barceló), Instrucciones para cambiar el mundo (Félix J. Palma), El error (Rosa Montero), Limpieza de Sangre (Juan Miguel Aguillera), Camp Century (Marc Pastor), En el ático (Rodolfo Martínez), La Inteligencia Definitiva (José María Merino), Gracia (Susana Valejo), Colapso (Juan Jacinto Muñoz Rengel) e Los centinelas del tiempo (Javier Negrete).
  16. La Edad de la Inocencia, romance de Edith Wharton.
  17. Parentesco (ou Kindred), romance da maravilhosa Octavia Buttler
  18. O olho mais azul, romance da grandiosa Tony Morrison.
  19. Modos inacabados de morrer, romance do gaúcho André Timm.
  20. El Lugar, romance-ensaio da francesa Annie Ernaux.
  21. Mozart, biografia escrita por Wendy Thompson. 

 

Fora esses títulos, li vários contos e trechos de romances escritos por mulheres para o projeto Fantástico Feminino no Youtube. Aqui uma lista com alguns nomes:

 

  1. Leitura do conto "Corpo escuro", de Jarid Arraes (cordel).
  2. Leitura do conto "O caminho para Yris", de Evelyn Postali.
  3. Leitura de trecho de "A telepatia são os outros" (2018), de Ana Rüsche.
  4. Leitura do conto "Nascida velha", de Mariana Albuquerque.
  5. Leitura do conto "Mortos en mármore" (1887), de Edith Nesbit.
  6. Leitura de trecho de "O ovo do tempo" (19909, de Finisia Fideli.
  7. Leitura do conto "Napoleão e o espectro" (1833), de Charlotte Bronte.
  8. Leitura do conto "A princesa que ria rosas" (2018), de Susana Ventura.
  9. Leitura do conto "Bichos escrotos", de Irka Barrios.
  10. Leitura de trecho de "Cristo Radioativo" (2018), de Ana Luísa Abreu.
  11. Leitura do conto "O coche fantasma" (1864), de Amelia B. Edwards.
  12. Leitura do conto "Percival" (2016), de Michele Calliari Marchese.
  13. Trecho de "O Conto da Velha Ama" (1852), de Elizabeth Gaskell.
  14. Trecho de "O poder" (2016), de Naomi Alderman.
  15. Trecho de "O auto da maga Josefa" (2021), de Paola Siviero.
  16. Trecho de "A sombra da morte" (1879), de Mary Elizabeth Braddon
  17. Leitura do conto "Amor fortemente elíptico" (2015), de Marta Preuss.
  18. Leitura de trecho de "Semana Santa", de Cotidiano (2019), de Mariana Travacio.
  19. Leitura de trecho de "Zona de clivagem" (1990), Liliana Heker.
  20. Leitura de trecho de "Amor dure" (1887), de Vernon Lee.
  21. Leitura de trecho de "Metrópole: Caos" (2018), de Melissa de Sá.
  22. Leitura de trecho de "Onde o fogo não se apaga" (1923), de May Sinclair.
  23. Leitura de trecho de "A maldição da morta" (1920), de Henrietta Dorothy Everett.
  24. Leitura de trecho de "Vida vampira: um romance queer chic - livro 3" (2018), de Ju Lund.
  25. Leitura de "O conto da corajosa Bradamante e seu incrível cavalo voador" (2021), de Anita Ganeri.
  26. Leitura de trecho de "A fortaleza: mundo sombrio"(2015), de Day Fernandes.
  27. Leitura de trecho de "A parábola do semeador"(1991), de Octavia Butler
  28. Leitura de trecho de "Estilhaça-me" (2011), de Tahere Mafi.
  29. Leitura de trecho de "Desmemória" (2020), de Thalita Saldanha Coelho.
  30. Leitura de trecho de "Mandíbula" (2018), de Mónica Ojeda.
  31. Leitura de trecho de "O fantasma de Cora" (2022), de Fernanda Castro.
  32. Leitura do conto "De saltos altos ou borrão", de Paula Giannini.
  33. Leitura de trecho de "Gideon, a Nona: Saga do túmulo trancafiado", de Tamsyn Muir.
  34. Leitura de trecho de "A jóia da alma", de Karen Soarele.
  35. Leitura do conto "Azul", de Karen Alvares (Horror em gotas).
  36. Leitura de trecho de "Gosma rosa", de Fernanda Trías. 
  37. Leitura de trecho do conto "V.E.R.N.E e o farol de Dover", de Dana Guedes.
  38. Trecho do romance "Orlando: uma biografia", de Virginia Woolf.
  39. Leitura de trecho de "O conto da deusa", de Natsuo Kirino.
  40. Trecho de "Os ensinamentos da menina Senhora Luandê", de Caena Rodrigues Conceição.
  41. Leitura do conto "A dama das trevas" (1850), de Senhora S.C. Hall (Anna Maria Hall).
  42. Leitura de trecho de "Despertar", de Octavia Butler.
  43. Leitura do conto "Vestida de Sangue", de Dinah Silveira de Queiroz


© 2014-2023 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

domingo, 21 de agosto de 2022

Kramp, María José Ferrada



















Fonte: amazon.com.br




Do alto de seus catorze anos, ou provavelmente já em idade adulta, M., a narradora deste cativante livro da chilena María José Ferrada, retoma suas memórias de infância e nos conta sua história com D., seu pai, caixeiro-viajante, bem como as aventuras que viveu com ele e seus curiosos colegas de profissão pela estrada. 

D. é vendedor de produtos de serralheria e, pelo menos durante os primeiros 9 anos da vida da filha, a bordo de um Renault, transmite a ela os segredos e o gosto pela profissão, para a qual ela tinha talento verdadeiramente nato. 

Nesta poética narrativa, pai e filha, assim como o presente e o passado - tanto de uma família como de um país -, encontram-se ligados por um catálogo de produtos da marca Kramp, e pela tentativa da menina de entender e explicar o mundo por meio dos produtos do catálogo. Produtos que, com o tempo, e num contexto neoliberal que sempre leva à explosão dos grandes conglomerados e ao desaparecimento dos pequenos negócios, foram sendo tirados pouco a pouco de circulação, assim como muita gente durante os anos da ditadura chilena, iniciada em 1973.

O leitor ou leitora antenado/a com a história do Chile e das ditaduras latino-americanas logo entenderá a referência aos "fantasmas" e ao comportamento "estranho" da mãe da protagonista. 

    O leitor ou leitora que não estiver familiarizado/a com a violência dos anos Pinochet precisa, quem sabe, de mais tempo para entender o que M. está nos contando.

    Assim que Kramp é uma poética reflexão sobre o desaparecimento, tanto de coisas quanto de pessoas, e também da cumplicidade entre pai e filha em torno do fascínio em comum por uma atividade. 

Vencedor de vários prêmios literários importantes, e traduzido para vários idiomas, incluído o alemão, Kramp tem conquistado, pela força e encanto de sua linguagem, leitores e leitoras por todo o mundo. 


Li a edição digital da Alianza Editorial, (Madrid, 2019), em espanhol. No Brasil, há uma tradução para o português feita por Silvia Massimini Félix, publicada pela Editora Moinhos.


Um livro que vale muitíssimo o tempo de ser lido! Confira!





© 2014-2022 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Bonequinha de Lixo, Helena Terra - carta à autora




















 

Querida Helena,

 

Muito me orgulha ser vista por ti como uma leitora qualificada. Vindo de ti, esse é um baita de um elogio, sabias? Sim, pois vem de uma pessoa que muito admiro, não só como escritora e leitora apaixonada pela Literatura mas, sobretudo, como pessoa, bípede, como tu bem gostas de dizer. E nem falar do quanto me alegra ter tua amizade, coisa que eu nem penso em agradecer, já que amizade não se agradece, apenas se retribui com sinceridade e carinho. 

 

O meu encontro com a tua prosa, no teu primeiro livro - o multifacetado A condição indestrutível de ter sido, que trata ao mesmo tempo da superficialidade dos relacionamentos e da profundidade dos desejos humanos, e que me foi apresentado pela querida Juliana Gervason -, foi e continua sendo uma experiência de leitura mais que marcante. E é por isso que me alegro, infinitamente, em ter em mãos um exemplar - com dedicatória e autógrafo! - do teu muito aguardado segundo romance. 

 

Sim, eu disse que o devoraria assim que o recebesse. E foi o que fiz: devorei-o-o! Não imediatamente ao recebê-lo, mas quando o tempo se me deu suficiente para que eu pudesse sentar e ler, de um fôlego, a história que nos conta a tua bonequinha, que nada, nada, de lixo tem, a não ser a companhia – forçada, claro - dos seres-lixo que a tratam como objeto. 

 

Mesmo já sabendo um pouco do que se tratava o texto, por conta dos comentários e resenhas que já foram postados sobre ele, devo dizer-te que a bonequinha muito me surpreendeu - positivamente, claro! Isso porque, inconscientemente, talvez eu esperasse uma narradora não tão jovem e um tom narrativo com o qual eu já estava acostumada em teu primeiro livro. E que bom que essa repetição não teve chance de acontecer, já que a bonequinha tem uma forma de narrar que me faz lembrar o estilo irônico-cortante empregado nas vozes narrativas do imperdível Menina, mulher, etc, livro da britânica Bernardine Evaristo, autora negra premiada com o The Booker Prize de 2019. Creio que os tons se parecem porque os abusos sofridos por mulheres, meninas etc. são os mesmos no mundo inteiro. Triste realidade!

 

A mudança de tom, do primeiro para o segundo livro, pode ter até muito a ver com uma clara reação ao machismo tóxico do nosso tempo, isto é, com a triste ascensão da boçalidade no Brasil em quase todas as esferas, mas, muito provavelmente, é consequência do teu amadurecimento como bípede atenta, que observa o mundo e se sente profundamente afetada por ele. Essa mudança de voz é, portanto, consequência natural do teu desenvolvimento como romancista, e por ser o segundo livro, que maravilha que ele foi pelos próprios caminhos. Melhor ainda: que bom que ele nos leva junto com ele, num mergulho, por esses caminhos novos! 

 

Tudo isso pra te dizer simplesmente que adorei o livro, que ele me surpreendeu, que o acho mais que necessário e que é literatura da melhor qualidade, aquele tipo de leitura que inquieta e marca. É um livro que todo o mundo deveria ler, enfim: um livro do qual muito me orgulho de ter lido e de poder falar sobre ele, um livro do qual muito me alegro em ter um exemplar para reler e encher de anotações e, sempre que quiser, voltar às tantas partes que sublinhei, aquelas que me emocionaram, e pensar sobre elas mais uma vez.

 

Agora, um detalhe... Eu, assim como a bonequinha, também sou filha de um José Carlos - sim, literalmente. Tenho os genes de um José Carlos que nunca vi, e só sei que se chama José Carlos porque me contaram, já que em meus documentos o “pai” se chama “desconhecido”. Acho que, ao ter sido abandonada por esse José Carlos Desconhecido, mero reprodutor, tive muito mais sorte que a bonequinha, que teve que conviver com o seu pai-lixo


Daí você pode ter uma ideia do quanto a leitura desse livro me tocou, pois sei de quantas verdades a narradora fala. Quanto aos reis da categoria dos desprezíveis, destes não preciso nem falar, já que a internet e a vida estão cheias deles, bem como de seres hipócritas recalcados que despejam nos outros as frustrações por não conseguirem admitir quem são de verdade, e passam a vida “no armário“ Pior: passam a vida atirando pedras em quem tem a coragem de se assumir. Como já disse, estamos vivendo a era da hipocrisia, da boçalidade e da covardia.

 

No entanto, vivendo fora do Brasil, e tendo conhecido realidades um pouco menos machistas que a brasileira, sei que é possível construirmos uma sociedade menos tóxica. E esse desafio está, sobretudo, na educação das pessoas, na denúncia constante do que está errado, como o teu livro agudamente faz. 


Assim sendo, só posso te agradecer por tê-lo trago à vida e por tê-lo “amamentado”. Sei que a gestação deste texto não foi fácil, não pode ter sido, porque a violência machuca e causa dor, ainda que seja "ficção". Então te agradeço por teres conseguido transformar toda essa indignação em palavras construtivas, palavras concretas e fortes que, verdadeiramente, e na estrutura, podem gerar transformação.

 

Gracias, Bonequinha, gracias, por mostrar ao mundo o lixo do patriarcado! 

Danke, Helena, por teres permitido que a bonequinha contasse a história dela que - nossa! - quão nossas são!

 

Um beijo literário,

Da Bluemaedel que ama ler e amou ter lido o teu livro!



#coisasqueabluemaedelle
#leiamulheres


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sábado, 23 de outubro de 2021

Schön wie die Acht, Nikola Huppertz




















Foto: Helena Frenzel



Schön wie die Acht (Linda como o Oito), Nikola Huppertz


Falo de livros na esperança de despertar em alguém o interesse por eles. Escrevo sobre livros para registrar as diferentes experiências que vou tendo com eles ao longo da vida. O livro da vez é Schön wie dia Acht (Linda como o Oito), de Nikola Huppertz, editora Tulipan, 2021, segunda edição, ainda sem tradução para o português (até o momento em que escrevo este texto). Esse livro foi finalista do Deutsch-Französisch Jugendliteratur Preis (Prêmio Franco-Alemão de Literatura Juvenil) de 2021.


Malte é um adolescente de doze anos que adora números e está se preparando para participar de uma olimpíada (de matemática) como representante de sua escola. Tudo caminhava de maneira "lógica" em sua vida até que Josefine, sua irmã mais velha por parte de pai, vem morar com a família, enquanto a mãe dela está internada numa clínica se tratando de um câncer. A chegada de Josefine altera tanto a rotina da família, já que ela passa a frequentar a escola que Malte frequenta, como a paz que parecia reinar na casa, já que sua presença conflituosa ameaça trazer à tona coisas que os pais de Malte preferiam manter esquecidas, coisas que podem alterar inclusive a relação deles com o filho. 


Para bagunçar ainda mais a  equação emocional do protagonista, aparece Lale, uma adolescente de uma outra escola que também vai participar da olimpíada e começa a frequentar o grupo de preparação na escola dele. Uma certa concorrência surge entre os dois, mas não só isso, também sentimentos com os quais Malte ainda não sabe lidar, coisas totalmente fora do seu "domínio", novas e incontroláveis variáveis. 


A única certeza de Malte é que Lale é inteligente e linda como o número oito. Não bastasse tudo isso, ainda vem a professora de alemão com essa história de "poemas" e o desafio de sua "interpretação", essas bobagens…  O que matemática tem a ver com amor, verdade e poesia? Ler esse livro é uma forma prazerosa de descobrir. A narrativa, do ponto de vista de um protagonista adolescente do sexo masculino, nos ajuda a compreender que o amor, e tudo o que se relaciona ao desenvolvimento emocional, é uma necessidade de todas as pessoas, independente do sexo ou do gênero.


A autora, Nikola Huppertz, tendo estudado música e psicologia, bem como tendo construído já uma carreira sólida na arte de escrever prosa e versos para o público infantojuvenil, consegue reunir nessa história, numa costura muito bem feita, a magia da matemática, o encanto da poesia e a forma racional de lidar com as imperfeições humanas, tudo isso coroado com a magia das descobertas, tanto adultas quanto adolescentes, uma capacidade que não deveríamos deixar de desenvolver nunca, seja em que fase da vida estivermos.


Uma leitura que recomendo muito, muito mais pelo prazer do texto que por qualquer outro motivo, qualquer outra característica que nos leve a pensar na beleza dos números, sobretudo na do número oito, com seu ar de "infinito". 


Schön wie die Acht, Nikola Hupppertz, editora Tulipan, 239 páginas.



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quarta-feira, 30 de junho de 2021

Grita, María Fernanda Ampuero


Este pequeno volume nos revela, página por página, o que pode acontecer quando ensinamos as meninas a se calarem e a aceitarem, com caras sorridentes, tudo o que com elas fazem. 


Não te cales, menina, grita!


Um conjunto de relatos que todo mundo deveria ler.





Foto: Amazon







Grita, María Fernanda Ampuero, Penguin Editorial, 57 páginas.






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quarta-feira, 9 de junho de 2021

Sofia de los presagios, Gioconda Belli

Ler para romper os círculos. Sim, é para isso que ela lê.


Ela já nem sabía como havia adquirido aquele livro. Ela sabia que ele havia vindo de uma biblioteca e, naquele momento, ao ler o carimbo de "maculado" na capa, pensou no destino que teriam os livros "maculados" nas bibliotecas, aqueles exemplares que não podem ou não devem permanecer no acervo por terem manchas ou imperfeições ou por já terem sido usados - e maltratados - muitas vezes. Talvez o carimbo "maculado" apenas sirva como uma proteção para que o livro não vá parar diretamente no lixo, podendo antes ser doado a leitores compulsivos como ela, por exemplo. E muito provavelmente foi isso o que aconteceu. Pouco importa como ela chegou ao livro, ou se ele é usado ou não, o fato é que ela e ele se encontraram em algum lugar no passado e ela acabou de ter com ele um tempo maravilhoso de leitura, uma experiência como poucas. 


Com cada livro ela tem uma história e com este em particular ela acabou de viver um momento deveras marcante. Aliás, muito se deve também às passagens marcadas que já se encontravam no exemplar, vestígios de outras leituras antes da sua. Um desses leitores ou leitoras, por exemplo, se preocupou em marcar as ocorrências da palavra "agora" no texto, e ela, em seu turno, ficou se perguntando o que teriam significado aqueles "agora" para quem, em sua leitura, os marcou, mas isto é algo que ela nunca vai saber, nem precisa. 


O livro do qual ela fala se trata de um exemplar de Sofía de los presagios, um romance de 1990 da nicaraguense Gioconda Belli. Ano passado, em 2020, ela já havia lido um dos romances da Belli, um dos mais recentes -  Las fiebres de la memoria -, uma leitura que muito a agradou e levou-a a querer beber mais e mais da fonte Belli.


Estava ela buscando outro livro em sua estante quando topou com o exemplar "maculado" que há tempos aguardava sua vez de ser manuseado. Com Harry Potter ela já aprendeu que os livros precisam ser acariciados antes de serem abertos, caso contrário eles mordem, e foi o que ela fez: acariciou a lombada, abriu o livro e começou a ler uma história cujo âmago é o veneno da rejeição, mas também uma fórmula para que possamos nos livrar dela, para que possamos romper os círculos que nos fazem mal. Sofía, a protagonista deste romance, é uma cigana que se desencontrou dos pais, quando criança, num vilarejo de bruxos, onde foi amparada e criada por um casal que não era de fato casal, mas que cumpriu com muita competência a função de pais. Ela não diria que o maior atrativo do livro está na história de Sofia propriamente, e sim na atmosfera do lugar e nos ritos ancestrais da deusa, no poder do feminino, no poder da Mãe Terra. 


Foi uma leitura que ainda está lhe fervilhando na alma, uma leitura que já cumpriu com a função de prepará-la para novas experiências e rituais. O círculo de abandono deste exemplar específico foi quebrado. Agora ele poderá seguir sua trajetória livre, tocando quantos corações se abram ao universo de suas páginas.





























Sofía de los presagios, Gioconda Belli, editorial vanguardia, 374 páginas.






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